Havia algo errado.
O desenvolvimento do personagem indicava algo completamente diferente.
Psicologia não é uma ciência exata, mas não é pura adivinhação ou mística, é sustentada por for fatos e se o comportamento de alguém segue um padrão, não é assim simples desse padrão mudar imprevisivelmente.
Uma pessoa sendo perseguida não vai parar pra falar sobre filosofia com o perseguidor. A vida não é hollywood, o vilão não é facilmente reconhecível, ele não conta seus planos e a vítima não fica pacientemente escutando, ela foge.
E no entanto…
Não dava pra ver direito, mesmo com o binóculo no máximo, mas lá estava aquela menina de manto encapuzado, falando com um soldado imperial como se ele fosse capaz de pensar como um indivíduo. Eu congelei. A rebelde procurada, segundos atrás desviando de disparos desse mesmo soldado, parou pra uma conversa.
Observava ela a uns dois quilômetros abaixo da plataforma de onde ela estava, 45 graus, e mesmo assim, estava nervoso com esse desenrolar. Sou um garoto de um planeta ermo, não vi muito da galáxia e definitivamente nunca tinha visto algo assim. Se alguém atirar em mim, eu corro ou atiro de volta.
E no entanto…
Subitamente ela se jogou e pareceu cair em direção ao abismo que nos separava, mas de novo, algo estava errado. Ela caiu em ângulo, na minha direção! E como por efeito de mágica, ela faz uma delicada manobra ao se aproximar da plataforma em que eu estava, descrevendo uma parábola e deslizando suavemente por sobre ela, pousou como se fosse uma pena carregada pela brisa.
Me pareceu um filme com um roteirista ruim, o personagem e sua construção, sem coerência.
E no entanto…
Os disparos recomeçaram e ela, sem sequer tentar desviar de nenhum, correu em minha direção, sem ser atingida. Chegou até mim e simplesmente me carregou com ela, puxando-me pelo braço.
Como você deve estar imaginando, não se corre puxando alguém pelo braço. É recurso de roteirista ruim, estereótipo de heroísmo e de vítima, não funciona na prática pra se correr de disparos em sua direção.
E no entanto…
Me deixei levar. Se pretendo ser algo mais do que um bicho do mato criado em casa, preciso fazer as pazes com a realidade
Parei de avaliar a coerência do que estava acontecendo, e confesso que me senti meio aliviado: dane-se a coerência do personagem, a realidade não tem script e, mesmo que tivesse um, não sou eu que estou escrevendo os outros papéis.